terça-feira, 28 de dezembro de 2010

FABRICAÇÃO DO VIOLÃO

Descrição da imagem: foto da parte superior de um violão amarelo,
mostrando a boca e o início do braço.
- violão -
o que entra em sua
fabricação é o que sai dele

ANDRÉS Segovia, Carlos Montoya e Chet Atkins são nomes conhecidos por milhões de pessoas em todo o mundo. O que eles têm em comum? Eles têm entretido assistências tocando um frágil instrumento de cordas, feito de madeira — o violão.
O som do violão é ouvido em toda a terra, tocado tanto por amadores como por profissionais. Um dos responsáveis por sua aumentada respeitabilidade foi o falecido violonista de concerto, o espanhol Andrés Segovia, que tirou o violão da obscuridade e transformou-o em instrumento de concerto clássico.
Por que o violão é tão popular? Provavelmente porque seu som, quer no estilo flamengo, quer no clássico ou no moderno, desperta diferentes disposições. Ainda outro fator é a facilidade com que pode ser carregado.
Quaisquer que sejam os motivos de sua popularidade, o modo como o violão é feito faz uma grande diferença no som. Os melhores violões são geralmente feitos com muito amor e cuidado por uma pessoa comumente conhecida como luthier. Visitemos a oficina de um luthier no Tennessee, EUA, e observemos a fabricação de um violão.

Onde Entra a Qualidade

Ao sermos bem recebidos em sua oficina, nossa atenção é atraída à enorme quantidade de madeira. Mas não é qualquer tipo de madeira. Cada peça foi cuidadosamente selecionada e armazenada para futuros violões. Espruce e cipreste, para o tampo; jacarandá-da-bahia, mogno (ou aguano) e falso-plátano para o fundo e para as laterais; e mogno e cedro aromático para o braço. Nas guitarras flamengas utiliza-se usualmente cipreste italiano e platanus para o fundo e para as laterais. Apanhando uma peça, notamos nela uma data. Nosso amigo luthier explica: “Eu prefiro não usar madeira alguma até que ela tenha secado naturalmente por cerca de cinco anos.” Por que isso? “Porque anos de experiência revelaram que a idade, a qualidade da madeira e a perícia do luthier determinam as características finais do violão.”
Observemos por cima do ombro de nosso luthier à medida que ele fabrica um violão clássico. Os violões geralmente se dividem em duas categorias: clássico ou espanhol, e de corda de aço. Quais são as diferenças? Ele responde: “As diferenças entre as duas categorias são muitas, mas a escolha do material para a corda é o modo mais fácil de distinguir cada uma. Como subentende sua designação, o violão de corda de aço tem cordas de metal. É fabricado em muitos tamanhos e formatos. Por outro lado, no violão clássico usa-se náilon ou tripa de animal (categute) em três das cordas, e seda envolvida em fios metálicos nas outras três.”
Nosso luthier prefere que cada freguês visite sua oficina, assim pode ouvi-lo tocar. Desse modo ele pode fabricar um violão apropriado para seu cliente. Como? Nosso artífice explica: “Observo com que força eles ferem as cordas, a espécie de som que eles produzem. Quero saber também como usarão o violão. Daí, eu posso ajustar ligeiramente o procedimento de fabricação para condizer com os fregueses. Tocam eles de modo suave? Se assim for, faço certas partes do violão mais finas ou menores para que se produza o som mais facilmente. São agressivos? Neste caso, o violão deve ser levemente mais resistente.”

A Fabricação — Passo a Passo

O tampo da caixa acústica ou tampo harmônico: A fabricação em si começa pela seleção das madeiras a serem usadas. Nosso luthier procura cuidadosamente em uma pilha de espruce, ocasionalmente aproximando de seu ouvido uma peça e batendo nela de leve com o dedo. Ele presta atenção a muitas coisas: é o som claro, alto, melodioso e de longa duração, ou produz um som surdo? A maior parte do tampo e do fundo da caixa acústica é feita de duas peças semelhantes de madeira. Elas são serradas de uma mesma chapa e daí abertas como um livro. Deste modo, as metades são parecidas e têm o mesmo potencial melódico. — Veja a foto abaixo.
A roseta: Diminui-se a espessura do tampo para aproximadamente 3 milímetros, e o belo reforço da abertura central, ou roseta, é cuidadosamente encaixado no entalhe aberto para isso. A roseta é feita de muitas peças de madeira de diferentes cores, e o luthier pode exprimir nela sua habilidade artística. Exige-se não raro um dia inteiro de trabalho para se fazer e encaixar a roseta. Quando a cola da roseta estiver totalmente seca, diminui-se adicionalmente a espessura do tampo, usualmente até cerca de 2,5 milímetros. O tampo é então cortado no formato de violão, e todos os reforços são colados no lado de baixo. Esses reforços são importantes na produção do som e na resistência física do violão. A maioria dos luthiers concorda que o tampo produz a maior parte do som e é a parte mais importante do violão.
O jacarandá-da-bahia, do Brasil, é geralmente a primeira escolha do luthier para o fundo e para as laterais devido à beleza de seus veios, à variedade de cores e às características na produção do som.

Uso Primoroso da Madeira

Laterais da caixa acústica: O luthier a seguir diminui a espessura das laterais do violão para cerca de 2,4 milímetros. Segue-se então uma das etapas mais difíceis, dobrar as laterais no formato de violão. As laterais, feitas de jacarandá-da-bahia, são geralmente maceradas em água por 24 horas e a seguir dobradas por se pressioná-las contra um cano quente. A água da madeira transforma-se em vapor, o qual a amolece, permitindo que ela seja, com paciência e esforço, suavemente moldada no formato desejado. “Oh!, sim”, diz o nosso luthier, “eu quebrei algumas quando estava aprendendo”. O luthier que faz apenas alguns poucos violões prefere dobrar as laterais desse modo porque isso lhe permite ajustar levemente a curvatura de cada lateral, e raramente dois violões seus têm exatamente o mesmo formato.
O braço: Segue-se então a moldagem preliminar do braço. As madeiras mais comumente usadas são o mogno e o cedro aromático. Essas madeiras são escolhidas devido a sua resistência, estabilidade e serem relativamente leves. Visto que esse é um violão clássico, seguirá a escola espanhola de fabricação, o que significa que as laterais serão coladas nas fendas abertas no braço, e este não será retirável, o que se daria com outros tipos de violões. Ele receberá a moldagem final depois que todas as partes do violão estiverem coladas.
A parte frontal é então colada nas laterais, mas visto que as laterais são muito finas, uma tira de madeira, chamada reforço, é dobrada no formato apropriado e colada nas laterais. O salgueiro é às vezes escolhido por ser leve e dobrar facilmente quando macerado em água.
O fundo: A seguir, o nosso luthier começa a trabalhar o fundo, feito de jacarandá-da-bahia. A maioria dos luthiers prefere usar um fundo que se assemelhe bem, na cor e nos veios, com as laterais. Escute atentamente ao passo que nosso artífice diminui um pouco a espessura do fundo, segura-o e testa sua rigidez por dobrá-lo, dar-lhe umas batidinhas e escutar seu tinido, diminuindo então ainda mais sua espessura. Quando a madeira está na espessura ideal, o tinido soa como se uma chapa de metal tivesse sido atingida. A seguir, os três reforços transversais são colados. Geralmente, eles são feitos de espruce ou mogno, escolhidos devido a sua resistência, leveza e estabilidade mesmo com variação de umidade. A resistência é vital, visto que o fundo é bem fino. No próximo passo, o fundo é colado exatamente como o tampo.
Agora começa a se parecer com um violão. Deixou-se o tampo e o fundo um pouco maior do que o tamanho final, de modo que eles agora são cortados. Para proteger as quinas do violão, colam-se pequenas tiras de madeira na quina do tampo e na quina do fundo. O jacarandá-da-bahia é usualmente escolhido devido a sua beleza e resistência.

Onde a Música Começa

A escala e o cavalete: Restam apenas a escala, feita de ébano, e o cavalete, de jacarandá-da-bahia, para serem colados. Afina-se a espessura da escala para 6 milímetros e ela é cortada no seu contorno final. A seguir os trastos metálicos, ou saliências, são colocados nas fendas abertas no braço, em intervalos precisos. Os intervalos são determinados por fórmula matemática, e é crucial que sua localização seja exata. Se estiverem colocados no lugar errado, o ouvido perceberá imediatamente o erro, e o violão não será aceito. A escala é colada ao braço, ainda toscamente moldado, e inicia-se o trabalho na última peça vital, o cavalete.
O cavalete é uma peça pequena feita de jacarandá-da-bahia, colado no tampo harmônico, onde as cordas são presas. Sua localização é tão importante quanto o espaçamento entre os trastos e é determinada pela mesma fórmula matemática. Não, o nosso luthier não tem de fazer os cálculos para cada violão. Ele simplesmente faz cada violão do mesmo tamanho e usa o mesmo espaçamento em cada um. A maneira de colar o cavalete é fundamental. Alguns violonistas tiveram a experiência embaraçosa de verem o cavalete se desprender! E não é de admirar, quando nos lembramos de que as cordas esticadas do violão exercem uma força superior a quarenta e cinco quilos, à qual se deve acrescentar a força produzida por sua vibração.

Acabamento de Qualidade

Mas, estamos nos adiantando demais. Lembra-se daquele braço toscamente moldado? Bem, ele tem de ser cortado em seu formato final. Nosso luthier explica: “Gosto que o dono do violão esteja presente nesse estágio de modo que ele possa aprovar o formato do braço, visto que um bom violonista pode perceber uma diferença de 1 milímetro na espessura!”
Nosso violão está quase pronto agora. Falta apenas a limpeza final, o polimento e o acabamento com lixa. Uma vez que o nosso luthier esteja satisfeito com o polimento e o formato de sua criação, ele aplicará o acabamento para proteger o violão.
A opinião dos luthiers varia quanto ao melhor acabamento para o violão. Contudo, a maioria dos luthiers usa um verniz de secagem rápida, que é pulverizado. Quando se usa verniz, pode-se aplicar o acabamento para violão, e o instrumento poderá ser usado em cerca de duas semanas. Que técnicas de acabamento produzem o violão com melhor sonoridade? Nosso amigo responde: “Há diferentes pontos de vista, mas muitos dos melhores violões antigos da Espanha tiveram polimento francês. Esse acabamento, contudo, não raro requer outra aplicação em tão pouco tempo quanto cinco anos.”

Música, Enfim!


Cresce o nosso entusiasmo à medida que chega a hora da verdade! As cordas são presas no cavalete, em uma extremidade, e nos parafusos de ajuste, ou cravelhas, na paleta do violão. Finalmente, o teste de som. Pára-se de esticar as cordas e elas ficam afinadas, mantendo as notas corretas. Enfim, após um longo e demorado processo, temos o violão!
Mas, ele ainda não está pronto para uso profissional. O luthier explica: “Usualmente, o violão novo só alcança a sua melhor forma depois de cerca de seis meses de uso. Em geral, pode-se dizer muito a respeito do potencial dele logo após o seu término. São as notas graves sonoras e fortes? Retinem as notas mais altas como pequenas campânulas de vidro? Produz o violão um som harmonioso independentemente de onde se toque na escala? A qualidade dos sons produzidos pelo músico depende em grande parte da perícia do luthier na escolha das melhores matérias-primas e de reuni-las numa construção que aproveite ao máximo o seu pleno potencial.”
Assim, da próxima vez que ouvir extasiado um violonista talentoso, lembre-se de que o que entra na fabricação do violão, a escolha da matéria-prima e a perícia do luthier, determina em grande grau o que sai dele. — Contribuído.
Fonte: Revista Despertai 08/05/91.